quinta-feira, 18 de julho de 2013

CONTO: A Primeira Lição

A Primeira Lição

Ainda que viva cem, mil anos, não esquecerei o primeiro dia de aula, a primeira escola a que meu pai me levou, não sei se com orgulho de mim ou medo que eu desse vexame, abrindo uma choradeira ou tentando fugir- que era o que eu pretendia.
Não compreendia o que se passava. Sabia que outros meninos da minha rua e da minha família, em determinado momento, iam para a escola, num pacto misteriosos entre os pais e os professores. Cheguei a pensar que o verdadeiro motivo fosse o de se livrar dos filhos, o tempo que os guris passavam na escola dava descanso de algumas horas aos pais, que transferiam pra os professores a responsabilidade de tomar conta das crianças e educá-las. Emburrado, assisti aos preparativos, a compra dos uniformes, do material escolar, que me fascinou, eram certamente os primeiros objetos que eu podia considerar meus, minhas canetas, meus cadernos, meus livros, até mesmo a minha merendeira. E tudo isso tinha um cheiro gostoso, do qual acredito que jamais esquecerei. O pai gostava de dar solenidade em tudo o que fazia e em tudo o que se metia. Levou-me pela mão- a escola era perto de casa, não quis tirar o carro da garage, preferiu ir a pé como se fosse cumprir um dever cívico. Apresentou-me ao diretor da escola, que deu mais importância a ele do que a mim. Mas na hora em que ia sumindo pelo corredor que levava ás salas de aula, de repente tive medo e corri para ele.Aquela seria a minha primeira separação da família, só então compreendi isso.E não estava preparado para aquele tranco. Comecei a chorar de mansinho, colado nas pernas do pai. O diretor tentou me consolar, prometeu coisas que eu não pedia e nem precisava, somente o pai acabou cedendo: - Vai, meu filho, tudo ocorrera bem, eu ficarei esperando por você.
Havia um pátio interno na escola, onde uma palmeira se erguia no meio de um pequeno jardim, alias um jardim mal tratado, que aparentemente ninguém usava. O pai me mostrou:
- Olha, no intervalo das aulas, você dara  uma espiada e me verá ali, perto daquela palmeira. Estarei esperando e voltaremos juntos para casa. Antes isso que nada. Quem não tem cachorro caça com gato. Eu queria que ele ficasse comigo, me dando força naquela barra que iria enfrentar, os professores, os colegas que ainda não eram meus amigos, eu os achava estranhos, capazes de fazer maldades comigo, que era um dos mais pequenos e indefesos. Trazia na cara não o medo, mas a suspeita de que o colégio poderia ser um problema e não uma solução. Realmente, no intervalo das aulas, olhava para o pátio e via o pai, que comprara um montão de jornais e revistas, sentara num banco de cimento, havia uma garrafa de água mineral ao lado. Ia sentir orgulho de ter um pai como aquele, mas outros meninos também viram o homem ali parado e ficaram sabendo que era meu pai. Caíram em cima de mim, me chamaram de mulherzinha. Eu não seria” homem” como eles começavam a ser. Daí que fiquei envergonhado. Acabada a ultima aula, desci correndo par ao pátio. O pai estava cansado, mas fingiu que não estava: - Então? Como foi a escola? Tudo bem? Não disse que você ia gostar? Tive vontade de dizer que gostara e não gostara. Mas de uma coisa tinha certeza:- Pai, amanhã me deixa sozinho na escola. Os meninos zombaram de mim, zombaram de você, me chamaram de mulherzinha e você de coroa. Percebi que o pai também gostou e não gostou da minha reação. Mais por incentivo do que por curiosidade, perguntou o que eu aprendera naquele primeiro di de escola. Fiz um balanço do que ouvira e vira, o quadro verde em que uma professora de óculos escreveu o nome do colégio em letras enormes e depois pediu para que Cada um de nós dissesse as  letras.Uma outra professora, está sem óculos, contou uma história que eu não entendi direito, tinha um homem chamado Monteiro lobato, e disse que o Brasil era um país maravilhoso, mais que precisava muito de nós. Outros professores falaram de outras coisas, houve um que me perguntou se eu sabia contar até cem- eu já havia aprendido isso com o pai, porque me faziam repetir o que eu já sabia? Só não sabia de uma coisa. Que apesar de ser um menino, que não chegaria ainda aos dez anos, já era uma coisa importante para os outros e para mim mesmo. E aprendera também que acabara para sempre a minha infância. Não devia ter chorado quando entrara na escola, obrigando o pai a ficar de plantão, de sentinela, tomando conta do filho a distância. Daquele dia em diante, eu teria de me habituar a enfrentar á vida por conta própria. O pai me levou de volta para casa, segurou minha merendeira e a mochila que eu trazia as costas, com meus cadernos e livros. Imaginando que eu estava triste, disse com certa pena:
- Meu filho, são os abrolhos... estão começando os abrolhos...
Eu não sabia o que eram abrolhos. No dia seguinte, a tal professora de óculos perguntou se algum de nós tinha alguma duvida. Quando chegou a minha vez, eu quis saber o que eram abrolhos. Ela  disse que abrolhos eram dificuldades, os problemas que a gente vai encontrando pela vida. Eu então aprendi mais do que isso. Que meu pai era um grande sujeito e, com ele, venceria todos os abrolhos.


Contos da Escola, Calos Heitor Cony

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